quinta-feira, 17 de setembro de 2009

O último metrô

Edel Linck
Set/2009-09-17


O metrô, antigo e gasto, rabiscado de pichações, faz a última viagem na noite alta e fria. Cumpre a rota diária, conduzindo passageiros cansados aos destinos. Um homem embarca. A atmosfera dentro do vagão é sombria e ameaçadora. Na fraca claridade, surgem vultos imóveis e silenciosos. Quer sair, mas sente uma força joga-lo sobre o banco lateral. Um facho intenso de luz projeta-se sobre ele. Um arrepio o faz tremer. Algo de muito estranho acontece ali.
Olhou para os pés, agora enfiados em negras sapatilhas. As roupas não são as suas. Veste calças de cetim, em losangos pretos e brancos, típicos das usadas nas fantasias de Arlequim. Vê seu rosto refletido na janela. Assusta-se. A cara pintada de branco, o gorro na cabeça e dois grandes e profundos olhos mergulhados no desespero. Nota contornos vermelhos – vestígios de sangue, talvez, - misturados às lágrimas. É um pesadelo! Estou vivo, respiro, sinto. Foram eles: os vultos macabros, usando grossas roupas de inverno, como gente normal. São almas penadas a caminho do além.
Seu braço pende inerte, e a mão frouxa mal segura a máscara preta que compõe a fantasia. O quadro está completo.
- Que querem de mim estes fantasmas? É uma ameaça, uma advertência à minha humanidade?
Começa a ouvir vozes que, ecoam na cabeça, como batidas de um relógio: Hiroshima Nagasaki, Vietnan. Depois de uma pausa, recomeça a tortura: Holocausto, Rússia. E mais forte, como se soassem bem de perto: Torres Gêmeas, Al Qaeda, Palestina, Israel.
- Estou enlouquecendo! As vozes se calam.
É ele, o ridículo Arlequim, símbolo do alegre irresponsável, bufão que diverte platéias crédulas, arrancando gargalhadas com cambalhotas e mímicas.
A alegoria refere-se ao povo, que os poderosos usam para alcançar seus macabros objetivos? É isso, que os fantasmas, vítimas de desastres mundiais, denunciam neste vagão espectral? A cena congela-se.

Os aplausos irrompem. A cortina de veludo fecha o palco. Os atores aparecem de mãos dadas, na boca de cena, inclinam-se, agradecendo as palmas.

O elenco se dispersa. Todos correm para pegar o último metrô. O homem Arlequim exausto, tem pressa. Em casa, uma menininha acordada, espera a volta do pai.

Nenhum comentário: