segunda-feira, 3 de maio de 2010

Um terceiro olhar

Valeria Santoro

Sou pequeno e observador. Da minha gaiola, eu vejo a movimentação na casa e meus pelos se arrepiam só de imaginar qual será meu destino.


Vim para este lar quando ainda um bebê, e sempre fui bem cuidado. Meu espaço é grande e posso brincar e me exercitar. Ganho uma ração gostosa e, vez ou outra, cenoura e couve. Faz uns meses, percebi que algo diferente estava acontecendo. Ela vinha me tratar e chorava em silêncio. Mesmo que eu corresse dentro da roda e fizesse caretas, ela não sorria mais. Quando era Ele, não havia choro, mas um olhar distante, perdido. Aí começaram as ausências. Já não sabia mais quem me daria comida. Carinho, então, ficou escasso. Eu sempre achei que macho e fêmea vivendo na mesma gaiola não poderia dar certo. Nós só nos juntamos para acasalar e depois vai cada um para o seu lado, nada de dividir a ração e o ninho todos os dias. Isso tudo eu pensei, mas sendo um roedor não sou um entendido em relacionamentos.

E hoje, então, parece que a casa já não existe mais. Tudo fora de lugar; os moveis saindo, caixas carregadas. E eu vou ficar com quem? Pelo jeito que me olham, ninguém sabe a resposta. Estou agitado, ando de um lado para o outro, igual a eles.

Acho que sou a única coisa que ainda pertence aos dois.

Um comentário:

Nara Accorsi disse...

Muito bom, colega! Vamos agitar este espaço!
Bjs Nara Accorsi