segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Oficina de Crônicas, Módulo I, ministrada por Rubem Penz.

Crônica com estrutura de conto com personagens de verdade, história criada.

Exercício: a partir de uma notícia no caso a descoberta de Ardi, ancestral humano aproximadamente 1 milhão de anos mais antigo que Lucy, até então a principal descoberta da ciência criar uma crônica/conto.




O IGNORADO NÃO INCOMODA
Evelena Boening

Ardi chegou na beira do riacho, protegeu-se com a vegetação e começou a beber. Lucy surgiu espantada, não conhecia aquele lugar, mas tinha sede e cautelosamente se aproximou da outra margem.

Ardi viu a chegada da estranha e se escondeu melhor, mas Lucy percebeu o movimento nos arbustos e pegou uma pedra para se defender da coisa viva do lado de lá.

- ?? , falou Lucy.

Ardi não se mexeu.

- ?? , repetiu Lucy.

- ^_, respondeu Ardi, levantando-se vagarosamente. Numa das mãos, um pedaço de galho.

As duas se encararam. Não se conheciam. Ambas deram um passo para trás, sinal de não-briga. Ardi já não tinha sede, queria ir embora e deu mais um passo para trás. Lucy não se mexeu; ela precisava da água. Aos poucos, Ardi foi recuando e Lucy se aproximou do riacho e bebeu.

Na espaçonave, Ô><>)/ Felizmente, Ô< conseguiu colocar Lucy ilesa de volta exatamente no lugar e no tempo de onde a tirara .

No deserto de Afar na Etiópia aconteceu um fato que os seres humanos nunca ficarão sabendo. Mas, conforme consta nas conclusões da #(, entre os terráqueos é normal se interessar muito por frivolidades e procurar ignorar o importante que esteja além da porta de casa.


UM ENCONTRO DAS CAVERNAS
Ana Cristina Duarte

No laboratório de antropologia da cidade de Nova York, dois rudimentares seres – um Australopithecus Afarensis, e o outro Ardipithecus Ramidus – abrem os olhos para um novo mundo. Lucy, descoberta na Etiópia em 1974, e Ardi, na mesma região, há poucos dias atrás, estão agora frente a frente.
Atravessaram uma fronteira de três a quatro milhões de anos quando mal balbuciavam alguns sons, e agora no século vinte e um, graças aos avanços da ciência, conseguem se comunicar telepaticamente.
- Oi, sou Lucy, você acaba de chegar, não?
- Oi, me chamaram Ardi. Ainda estou meio sonolenta, sabe, depois de milhões de anos soterrada agente custa a se adaptar.
- O começo é difícil, depois acostuma. São muitas informações novas, e queremos saber tudo o que aconteceu desde o nosso tempo.
- Parece que hoje nos chamam de homens, usam panos no corpo e umas coisas estranhas nos pés, comentou Ardi.
- Primeiro, diziam que éramos descendentes dos macacos, agora, depois de nossa descoberta, estão dizendo que não. O que você acha, Ardi?
- Ainda não tenho opinião formada, mas que me pareço muito com um chipanzé, me pareço. (Ambas riram).
- Naquele tempo, lutávamos pela sobrevivência, hoje, esses homens matam-se entre si pelo poder e ganância – comentou Lucy.
- Mas isso não mudou muito, é sempre a mesma coisa, no fundo todos continuam a ser primatas, falou Ardi.
- Tem muita coisa legal; vivem intensamente, fizeram muitas descobertas, reproduziram-se muito rápido também, acho até que o mundo anda meio lotado desses humanos.
- Essa bola vai ficar pequena pra tanta gente! Exclamou Ardi.
- Estão explorando o espaço também. Imagina que já foram até para a lua, sabe, aquela bola prateada que ficávamos admirando?
- Não me diga! Foram lá? Como?
- Construíram um negócio chamado de Nave Espacial, que rasgou o céu.
- Que loucura! Pena que eu já estava morta nesta época e não pude assistir, disse Ardi.
- Ihhh...Tem tanta coisa. Teve até um tal de Jesus Cristo que foi o salvador da humanidade, e até hoje ele é importante, tanto é que vivem rezando por ele.
- Mais importante que Hitler? Aquele do qual falavam ainda ontem? Perguntou Ardi.
- Esse foi mau, muito mau, o outro é do bem. Suspirou Lucy.
- Estou ficando cansada dessa conversa. É muita informação, nos falamos outra hora, está bem?
- Certo Ardi, até mais então. Beijinho, beijinho, tchau, tchau - como dizem hoje.


A VELHICE VALORIZADA
GERALDO BARRETO VIANNA (10/2009)


Mais alta e mais velha, Ardi surgiu para ameaçar o estrelato de Lucy, mas, com ossos bem preservados, ambas são modelos ideais para o estudo das mutações que produzem a humanidade.

Revista VEJA- edição 2133 – 7 de outubro de 2009

Em cada porta, na velha construção, placas grandes de pedra anunciavam os diversos ramos de atividade exercidos no local. No fundo do corredor uma porta mais ampla ostentava em grandes letras: Agência de Modelos.
Passos lentos, pés arqueados, para lá ela se dirigia. As longas pernas trêmulas e os pelos eriçados mostravam o nervosismo que não conseguia disfarçar.
Atendia a um anúncio publicado na imprensa:
“Precisam-se modelos para comerciais em mídia internacional. Grande possibilidade de futuro. Exige-se idade mínima de quatro milhões de anos. Pede-se urgência. A modelo anterior aposentou-se por estar abaixo da idade mínima.”
Vencendo a timidez, Ardi abriu a porta dirigindo-se a uma jovem, aparentando três milhões de anos que, sentada atrás de uma mesa, pesquisava no Google sua árvore genealógica.
-Sou Ardi- apresentou-se a recém-chegada. - Vim respondendo ao anúncio.
-Que ótimo Ardi- disse a moça sorridente. -És a única candidata que preencheu as características exigidas. Teu currículo já foi analisado. Parabéns, serás aproveitada.
De imediato, aponta para uma porta, dizendo: - Entra naquela sala. Lucy já está te esperando. Vai te orientar e te passar o serviço.
Entrando, Ardi viu sua antecessora que, sentada em uma poltrona Luís XV, choramingava pelo status que ia perder: o de fóssil mais velho da humanidade. Deixaria de ser estrela. Perderia prestígio. Os holofotes da fama não mais a iluminariam.
- Oi Lucy- disse alegre Ardi, tentando quebrar o gelo. - Já sei que estás te aposentando por pouca idade.
-É verdade- respondeu Lucy, ainda fungando. Nesta atividade, cada vez mais, os anos nos fazem falta e, os mais velhos estão aí, sempre prontos para tomar o nosso lugar. Durante muito tempo- continuou- estive no auge, fui famosa, apareci com destaque em todas as revistas internacionais e na televisão. Agora é passado, não adianta chorar. A falta de idade me pegou. É a vida! Só me resta curtir a fama restante e observar a evolução dos meus descendentes. Esperar para ver como eles se comportarão no futuro. Não sei, acho que vou me decepcionar...
- Não chora, amiga- tenta consolar Ardi.- Daqui uns anos, acontecerá comigo. Surgirá outra, mais velha, que tomará o meu lugar. A fila anda! Pelo menos, um consolo nos resta: nesta nossa vida de fóssil, e somente nela, a idade ainda é valorizada.


Centro de Pesquisa em Evolução Humana Universidade da Califórnia em Berkeley.
Oficina Literária
Professor Rubem Penz
Ardi e Lucy
Edel Linck – 14/10/2009


As duas fêmeas humanóides neolíticas, as estrelas do momento, encontram-se no mesmo espaço no Centro de Pesquisa em Berkeley: Ardi e Lucy.
Lucy familiarizada com o ambiente, pois lá se encontra há mais tempo, sente-se a rainha do lugar. É famosa, apareceu em todos os jornais e revistas do mundo. Rádio, cinema e televisão, lançaram-na como a grande descoberta do século XX.
Ardi, a novata, está tonta com a enorme exposição a que foi submetida. Lucy, enciumada com a chegada da nova celebridade, impaciente e curiosa, chega-se a ela com superioridade de veterana. Fêmea pequena e sem graça, pensa Lucy.
Ardi assusta-se com sua chegada e pergunta:
- Quem é você?
- Eu sou Lucy. E estou aqui há bastante tempo. Já entendo a língua deles e eles me compreendem. Então você é Ardi, que está fazendo todo esse rebuliço por aqui?
- É, dizem que este é meu nome, mas é tudo tão estranho. Não vejo árvores e eu gosto de subir nelas. É mais fácil para mim, do que fiar em pé por muito tempo.
- Claro, você é muito velha. Eu sou um milhão de anos mais jovem. Comenta Lucy com sarcasmo.
- Mas eu sou mais importante, é o que dizem. Quanto mais velha, melhor para o estudo que essas pessoas estão fazendo.
- Tu não sabes nada. Eu entendo a língua deles, e eles vão te entender graças a mim que os ensinei a me decifrar. Eles nos procuram e procuram há séculos, para nos encontrarem, querem descobrir o começo da vida, parece.
- Tá bem Lucy, não vamos discutir. Afinal, somos da mesma espécie, africanas e negras. Me diz, tem preconceito racial por aqui?
- Já foi mais forte, e ainda tem, sim. Por sorte, o presidente deste país, agora, é negro. Houve uma época em que os brancos nos caçavam na África, como animais e nos traziam para cá, escravos acorrentados. Nos tratavam muito mal.
- Que horror, Lucy! Vivíamos tão bem na nossa terra. Lembra do tempo em que éramos endeusadas pelos homens? Os filhos nasciam de nós, só de nós e eles nos respeitavam e veneravam. Uma cumplicidade se estabelecia nesse momento. Risinhos.
- Os coitados Ardi, não desconfiavam que sem eles nossas barrigas não cresciam, mas nós sabíamos e ficávamos bem quietinhas, gozando a nossa superioridade.
- Eram bem tratados por nós. Ótimas cozinheiras, preparávamos substanciosas sopas para torná-los potentes.
- E as ervas? Conhecíamos todas e, como bruxas sábias, saiam do nosso caldeirão: elixires, poções e pomadas que curavam doenças e feridas. Boa época aquela!
- Quero saber uma coisa: tu também ouves a voz que diz ser o Tempo? Ele conta histórias horríveis das desgraças que aconteceram e estão acontecendo no mundo.
- Ah! Então é o Tempo? Ele fala comigo e sempre peço para ele parar de falar nas guerras, nas mortes, nas torturas.. E diz também que os homens inventam sempre mais máquinas terríveis, que espalham terror e morte, e o fogo se espalha e as chamas queimam e desmancham tudo de bom que eles construíram.
- Mas o Tempo não adverte eles? O Tempo que viu tudo e sabe tudo?
- Adverte, mas a tal da humanidade não ouve, não consegue aprender. Apareceram profetas no mundo, homens bons que espalharam sementes de amor e aconselharam os semelhantes a serem amigos. Ajudou um pouco, mas não resolveu.
- Então, é só esperar para que um dia, antes que seja tarde demais, eles parem para escutar o Tempo.


Lucy A. Aferensis e Ardi P. Ramidus
Silvia Clara Agnes


O Doutor Oldbone S. Kavator, insigne arqueólogo da British University of Lostskeleton, estava nervoso. Ele sentia muito próximo o momento de provar a sua revolucionária tese sobre a evolução das espécies. Em breve, tinha certeza, aquele certo charlatão inglês nascido há 200 anos, seria desmascarado para sempre. Por motivos óbvios, S. Kavator não conseguia confiar em alguém que ficasse navegando num beagle, ao invés de utilizar um navio.

Com patrocínio da Royal Geographical Society comprou as SUVs, o helicóptero, o navio-laboratório, o trailer-refeitório, as barracas com adega climatizada. S. Kavator acreditava que fazer pesquisa de ponta não significava, necessariamente, sentir cansaço, ou sede, ou calor.

Foi então que o GPS sinalizou que haviam chegado ao local exato. O doutor organizou toda a equipe. Cinegrafistas e fotógrafos a postos para registrar todos os ângulos do momentoso fato histórico.

Sob o olhar severo de S. Kavator, o pessoal do serviço pesado começou a escavar. Cavaram muito. Desviaram a escavação para o lado direito, depois para o esquerdo. Resolveram aprofundar o buraco. A expectativa de chegar ao fóssil hominídeo anterior a Lucy Australopithecus Afarensis” era eletrizante. Todos olhavam em silêncio para os operários que manejavam pás e picaretas. Atenção! Um ruído cavo, diferente. Suprema ansiedade contorceu o coração do Doutor S. Kavator. Havia chegado o momento de implodir o arcabouço teórico vigente desde 1859, quando aquele livro sebento, “A Origem das Espécies”, fora publicado pelo malfeitor de cachorros.

Deste ponto em diante a areia foi sendo removida com as mãos, cuidadosamente. Apareceu uma arca de aço, chaveada. Muito misterioso mesmo. O chaveiro da expedição correu até a barraca onde estava seu equipamento. Em cinco minutos estava de volta com a chave adequada. Então o Doutor S. Kavator abriu vagarosamente a arca, e dela retirou uma bolsa de couro. Pasmo geral.

Da bolsa foi retirando objetos. Batom, blush, escova, perfume, lenços de papel. E a carteira de identidade da senhora Ardi Pithecus Ramidus. Pela foto, ela nem parecia ter 4,4 milhões anos...

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